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domingo, 19 de dezembro de 2010

Toma lá cinco - Alexandre O'Neill

Poema da noite


Encolhes os ombros, mas o tempo passa...
Ai, afinal, rapaz, o tempo passa!

Um dente que estava são e agora não,
Um cabelo que ainda ontem preto era,
Dentro do peito um outro, sempre mais velho coração,
E na cara uma ruga que não espera, que não espera..

No andar de cima, uma nova criança
Vai bater no teu crânio os pequeninos pés.
Mas deixa lá, rapaz, tem esperança:
Este ano talvez venhas a ser o que não és...

Talvez sejas de enredos fácil presa,
Eterno marido, amante de um só dia...
Com clorofila ficam os teus dentes que é uma beleza!
Mas não rias, rapaz, que o ano só agora principia...

Talvez lances de amor um foguetão sincero
Para algum coração a milhões de anos-dor
Ou desesperado te resolvas por um mero
Tiro na boca, mas de alcance maior...

Grande asneira, rapaz, grande asneira seria
Errar a vida e não errar a pontaria...
Talvez te deixes por uma vez de fitas,
De versos de mau hálito e mau sestro,
E acalmes nas feias o ardor pelas bonitas
(Como mulheres são mais fiéis, de resto...)



Alexandre Manuel Vahia de Castro O'Neill de Bulhões (Lisboa, 19 de dezembro de 1924 - Lisboa, 21 de agosto de 1986) - Foi um dos fundadores do Grupo Surrealista de Lisboa. Publicou livros de prosa e organizou antologias. Foi tradutor de Jarry, Dostoievski, Maiakovski, Brecht e Nora Mitrani. Trabalhou como redator de publicidade e assinou colunas no jornais portugueses, Diário de Lisboa, A Capital e Jornal de Letras.

Retirado do Blog do Noblat para onde foi enviado por Pedro Lago, do Corujão da Poesia

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