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terça-feira, 9 de abril de 2013

No caminho, com Maiakóvski por Eduardo Alves da Costa...É o Prato Do Dia

No caminho, com Maiakóvski
por Eduardo Alves da Costa

Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

Nos dias que correm
a ninguém é dado
repousar a cabeça
alheia ao terror.
Os humildes baixam a cerviz;
e nós, que não temos pacto algum
com os senhores do mundo,
por temor nos calamos.
No silêncio de meu quarto
a ousadia me afogueia as faces
e eu fantasio um levante;
mas amanhã,
diante do juiz,
talvez meus lábios
calem a verdade
como um foco de germes
capaz de me destruir.

Olho ao redor
e o que vejo
e acabo por repetir
são mentiras.
Mal sabe a criança dizer "mãe"
e a propaganda lhe destrói a consciência.
A mim, quase me arrastam
pela gola do paletó
a porta do templo
e me pedem que aguarde
até que a Democracia
se digne a aparecer no balcão.
Mas eu sei,
porque não estou amedrontado
a ponto de cegar, que ela tem uma espada
a lhe espetar as costelas
e o riso que nos mostra
é uma tênue cortina
lançada sobre os arsenais.

Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas ao tempo da colheita
lá estão
e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder,
mas sempre o temos contra nós.
Dizem-nos que é preciso
defender nossos lares,
mas se nos rebelamos contra a opressão
é sobre nós que marcham os soldados.

E por temor eu me calo,
por temor aceito a condição
de falso democrata
e rotulo meus gestos
com a palavra liberdade,
procurando, num sorriso,
esconder minha dor
diante de meus superiores.
Mas dentro de mim,
com a potência de um milhão de vozes,
o coração grita - MENTIRA!
 


Escritor e poeta brasileiro, nascido em Niterói, no estado do Rio de Janeiro, em 6 de março de 1936. Graduou-se no curso de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie em 1952. Organizou, em 1960, no Teatro de Arena, em São Paulo, uma das mais instigantes atividades culturais do período, as "Noites de Poesia", em que eram divulgadas as obras de jovens poetas. Participou do movimento "Os Novíssimos", da Massao Ohno, em 1962.

O poema "No Caminho, com Maiakóvski" é o mais popular do autor, escrito na década de 1960 como manifestação de revolta a intolerância e violência impostas pela ditadura militar. A obra foi envolvida em uma série de equívocos quanto a atribuição da autoria. Para alguns, o texto era do poeta russo Vladimir Maiakóvski. Para outros, o verdadeiro autor era o dramaturgo alemão Berthold Brecht.

Durante a campanha das "Diretas Já!", o poema virou símbolo na luta contra a ditadura, aparecendo em camisetas, pôsteres, cartões postais. Com a introdução da internet no país, o equívoco da autoria se massificou.

De acordo com o próprio autor, nunca houve arrependimento da utilização do nome do poeta russo no título do poema.

Foi graças a teledramaturgia - novela "Mulheres Apaixonadas", Rede Globo, ano de 2003, na cena em que a personagem de Christiane Torloni lê um trecho do poema -, que o mal entendido da autoria foi desfeito, dando o devido crédito a quem de direito: o poeta brasileiro
 
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